18 de outubro de 2012

Ler : um processo infinito


Pertenço a uma família de sete irmãos e em nossa casa, além de muita gente, também havia bastantes livros. Dentre todos que povoavam  nossa casa, meu pai e minha irmã mais velha eram os que mais liam. Ele se atinha à história, geografia e política e ela, mais à  literatura. O que era lido, sempre gerava conversas após o jantar, em uma época em que a televisão ainda não era comum. Eu, a caçula temporã, ouvia atenta aos comentários e resumos de histórias,  enquanto, à primeira impressão, brincava em algum canto da sala.

Mesmo antes de minha alfabetização, gostava de pegar os livros, folheá-los, admirar capas e figuras, sentir-lhes o cheiro e a textura das páginas. Não via a hora de ir para escola, aprender a ler e conseguir penetrar naqueles mundos enfileirados na estante.

Aos sete anos, como costume naquela época, fui matriculada no grupo escolar. No primeiro dia de aula, estávamos todas as crianças no portão da escola aguardando a chamada para a formação da fila dupla que seria conduzida pela professora à sala de aula. Enquanto aguardava, me chamou a atenção uma jovem senhora, baixinha, loura, sorridente, que foi delicadamente pedindo licença e atravessando o que para a minha concepção infantil, era uma multidão de crianças. Meus olhos a acompanharam até  entrar no prédio.  Quando fui chamada e a fila de minha sala ficou completa, a pessoa que organizava as crianças chamou a professora da classe – Da. Maria Helena, a mesma jovem senhora que, sempre sorrindo, nos conduziu à sala onde a grande transmutação aconteceria.

A partir daquele dia, tive mais uma referência que me impulsionaria a aprender a ler. Eu agora queria ler como Da. Maria Helena: voz clara que dava vida aos textos e personagens, que entrava pelos meus ouvidos e se transformava em imagens, cenários e sensações. Assim teve início minha peregrinação pelos caminhos da leitura.

Ao ler o depoimento de Rubem Alves disponibilizado em Ler e escrever, uma porta para o outro, onde o autor coloca tão apropriadamente que “A literatura é um processo de transformações alquímicas” onde “o escritor transubstancia - sua carne e seu sangue em palavras e diz a seus leitores: Leiam! Comam! Bebam”, me veio à  memória  esse início do processo que me propicia essa alquimia. As lembranças me levaram a  entender que o fenômeno da incorporação proporcionado pelo ritual antropofágico, como diz o autor,  representado pela experiência literária, faz parte de um caminho onde as  sucessivas apropriações de virtudes das muitas vozes presentes no universo de cada leitor,  contribuem para a construção das competências que lhe permitem cada vez mais usufruir a leitura.

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